DEVER, LIBERDADE E RESPONSABILIDADE
Liberdade
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…
Publ icado in Seara Nova, n.º 526, de 11-09-1937, Fernando Pessoa - Cancioneiro
Ai que prazer
Não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
E não o fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
Como tem tempo, não tem pressa…
Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.
Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!
Grande é a poesia, a bondade e as danças…
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.
E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca…
Publ icado in Seara Nova, n.º 526, de 11-09-1937, Fernando Pessoa - Cancioneiro
Dimensão filosófica: O que é liberdade? Existem várias maneiras de pensar a liberdade? Somos determinados a agir ou não?
• Dimensão histórica: Todas as pessoas são livres? O homem nem sempre foi livre, mas porque?
• Dimensão social: A minha liberdade interfere na vida dos outros. Posso me sentir livre sabendo que existem pessoas que não o são?
• Dimensão histórica: Todas as pessoas são livres? O homem nem sempre foi livre, mas porque?
• Dimensão social: A minha liberdade interfere na vida dos outros. Posso me sentir livre sabendo que existem pessoas que não o são?
Diante destas questões vamos pensar um pouco mais... Solicite que os estudantes escrevam em seu caderno suas idéias acerca destas afirmações.
Passe no quadro mais um pensamento:
"Duvidar de tudo ou crer em tudo. São duas soluções igualmente cômodas, que nos dispensam, ambas, de refletir." (Henri Poincare)
Um provérbio popular, com base na Revolução Francesa e na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão diz: "A minha liberdade termina onde começa a do outro."
- Para Sartre "a liberdade é a escolha incondicional que o próprio homem faz de seu ser e de seu mundo. Afirma que estamos condenados à liberdade".
- Segundo Aristóteles: "é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir".
Duas teorias sobre a liberdade
Determinismo: parte do princípio que tudo que existe tem uma causa, ou seja, a lei de causa e efeito foi, determinado por algo ou alguém. Exemplo: quando acreditamos que a nossa vida já esta predestinada a algo ou por alguém; quando consultamos horóscopos, cartas, videntes sobre o nosso futuro.
Liberdade incondicional: a liberdade absoluta, do livre-arbítrio, onde o ser humano pode escolher entre uma atitude ou não, independente das circunstâncias. Ou se é inteiramente livre ou então não se tem liberdade.
Sobre estes pontos de vista, o homem é livre ou determinado? Segundo TELES (1996, p. 31) "o sentido mais profundo da questão da liberdade é que, se ela não existisse, o homem se misturaria com a natureza, não se diferenciaria das coisas, pois estaria inteiramente submisso ao determinismo." Se considerarmos a situação em que se encontra um dado ser humano, por exemplo, podemos dizer que pelo fato de estar situado em determinada época, em um local, em uma dada família, contexto comunitário, possui uma história de vida que o poderá tornar um ser previsível. Mas, ao mesmo tempo, temos que levar em consideração que este ser humano possui o livre arbítrio, ou seja, tema capacidade de tomar decisões sobre o direcionamento que pretende dar a sua vida, de sua comunidade e de todos que o cercam.
Temos que ter consciência que nossos atos têm conseqüências. Sob este ponto de vista o ser humano possui a liberdade de decidir sobre a sua vida, mas se a decisão tomada for errada, ele poderá deixar de ser livre, assumindo as conseqüências de seus atos.
Segundo ARANHA e MARTINS (1986, p. 318) "a liberdade não é a ausência de obstá ;culos, mas o desenvolvimento da capacidade de dominá-los e superá-los". Percebe-se a importância dos momentos de reflexão que todo ser humano deve praticar, da capacidade de perceber e antever as conseqüê ;ncias de seus ato s.
Na adolescência é muito comum a reivindicação da liberdade. O homem nesta fase de contestação e auto-afirmação p assa, segundo GURDORF apud ARANHA e MARTINS (1986, p. 319) por momentos onde a "liberdade do adolescente é uma adolescência da liberdade, uma liberdade de aspiração [...] a juventude é tempo de aprendizado da liberdade."
Diante do exposto:
- Possui liberdade incondicional ou determinada?
- A sua liberdade é permanente ou foi conquista aos poucos?
- Você é livre? Quem é livre?
Segundo ARANHA e MARTINS[1][2] a liberdade não é a ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de dominá-los e superá-los. Percebe-se a importância dos momentos de reflexão que todo ser humano deve praticar, da capacidade de perceber e antever as consequências de seus atos.
DEVER E LIBERDADE:
O ato moral prova efeitos não só na pessoa que age, mas naqueles que o cercam e na própria sociedade como um todo. Portanto, para ser moral, um ato deve ser livre, consciente intencional, mas também solidário. O ato moral supõe a solidariedade e a reciprocidade com aqueles com os quais nos comprometemos. Esse compromisso não é superficial e exterior, mas revela-se como uma “promessa” pela qual nos vinculamos à comunidade. Dessas características decorre a exigência da responsabilidade. Responsável é a pessoa consciente e livre que assume autoria do seu ato reconhecendo-o como seu e respondendo pelas conseqüências dele.
Origem das palavras:
Compromisso significa em latim promittere que quer dizer prometer.
Responsável significa em latim responsus, do verbo respondere aquele que responde pelos seus atos.
A responsabilidade cria um dever, o comportamento moral, por ser consciente, livre e responsável, é também obrigatório. Mas a natureza da obrigatoriedade moral não está na exterioridade; é moral justamente porque o sujeito impõe-se o cumprimento da norma. Pode parecer paradoxal, mas a obediência lei livremente escolhida não é coerção ao contrário é liberdade. Como juiz interno, a consciência moral avalia a situação consulta as normas estabelecidas, interioriza-as como suas ou não, toma decisões e julga seus próprios atos. O compromisso humano e obediência a decisão livremente assumida.
No entanto, o compromisso não exclui a desobediência o que determina justamente o caráter moral ou imoral do nosso ato: por sermos realmente livres, termos possibilidade de transgredir a norma, mesmo aquela que nós mesmos escolhemos respeitar.
Fonte: Maria Lucia de Arruda aranha
3. A teoria da liberdade incondicional
Contrapondo-se ao determinismo, há teorias que enfatizam a possibilidade da
liberdade humana absoluta, do livre-arbítrio, segundo o qual o homem tem o poder
de escolher um ato ou não, independentemente das forças que o constrangem.
Segundo essa perspectiva, ser livre é decidir e agir como se quer, sem qualquer
determinação causal, quer seja exterior (ambiente em que se vive), quer seja
interior (desejos, caráter). Mesmo admitindo que tais forças existam, o ato livre pertence a
uma esfera independente em que se perfaz a liberdade humana. Ser livre
é, portanto, ser incausado.
Bossuet (séc. XVII). no Tratado sobre o livre-arbítrio, diz o seguinte:
"Por mais que eu procure em mim a razão que me determina, mais sinto que eu não tenho
nenhuma outra senão apenas a minha vontade: sinto aí claramente minha liberdade, que
consiste unicamente em tal escolha. E isto que me faz compreender que sou feito
à imagem de Deus".
4. Superação da dicotomia Determinismo ou liberdade?
Afinal. "o homem é livre ou é determinado?" A questão assim colocada gera um falso
problema.
Na verdade, o homem é determinado e é livre. É preciso considerar os dois
pólos contraditórios, superando o materialismo mecanicista, segundo o qual o homem
é determinado bem como a tese da liberdade incondicional. Segundo a concepção dialética,
embora
os pólos determinismo-liberdade se oponham, na verdade estão ligados:
" o homem é realmente determinado, pois se encontra situado em um tempo e espaço e
é herdeiro de uma certa cultura;
" mas o homem é também um ser consciente, capaz de conhecer esses determinismos;
tal conhecimento permitirá a ação transformadora que, a partir da consciência
das causas (e não à revelia delas), pode construir um projeto de ação.
Portanto, só a consciência do determinismo não é suficiente, pois a liberdade se torna
verdadeira quando acarreta um poder, um domínio do homem sobre a natureza
e sobre a sua própria natureza.
A consciência que o homem tem das causas se transforma, por sua vez, em outra
causa, capaz de alterar a ordem das coisas. Com isso, não se rompe o nexo causal,
mas introduz-se uma outra causa - a consciência do determinismo - que transforma o
homem em ser atuante, e não simples efeito passivo das causas que agem sobre ele.
Vejamos o exemplo da ação do vírus da tuberculose no corpo humano: pela ordem
natural da ação das causas, a morte é inevitável. Pelo menos era assim no século
passado, e a despeito da aura romântica que envolvia os jovens poetas tuberculosos, a
doença era implacável. Quando IKoch descobre o nexo causal da doença, pela
ação do bacilo, o conhecimento das causas possibilita a ação efetiva:
remédios, alimentação, clima, repouso etc.., e eis o fantasma da doença letal deixando de
assombrar as pessoas.
O filósofo personalista Mounier diz:
"Enquanto se desconheceram as leis da aerodinâmica, os homens sonhavam voar; quando o
seu sonho se inseriu num feixe de
necessidades,
voaram". Lembremos aqui o significado
do conceito de necessidade. Descobrir o feixe de necessidades é conhecer as leis da
aerodinâmica, ou seja, saber o que faz voar um corpo mais pesado do que o ar.
Não há mágica: há conhecimento dos determinismos. O sonho se concretiza no trabalho do
homem como ser consciente e prático.
Do ponto de vista psicológico, ocorre o mesmo processo. Suponhamos que alguém
tenha um temperamento agressivo. Se ele se reconhece assim, cuida para não
ser levado pelo impulso, para saber usar a agressividade conforme a ocasiao e
conveniencia. Aliás.
.5
uma das grandes contribuições de Freud é ter mostrado que o neurótico não é livre, pois se
acha dominado por forças inconscientes que mascaram suas ações.
A atitude obsessivo-compulsiva, como a de lavar as mãos seguidamente, por
considerálas sempre sujas ou cheias de micróbios, não representa o ato livre de
alguém preocupado com a higiene. Trata-se de um sintoma e portanto tem um significado
latente, oculto, que pode ser investigado. A interpretação é sempre relativa
a cada caso concreto, mas, para fins de exemplificação, vamos supor que o significado
fosse a culpa resultante de desejos sexuais reprimidos e considerados
"sujos"
pelo paciente. A cura da neurose estaria em trazer à consciência a causa escondida,
ajudando o paciente a lidar com o seu próprio desejo.
A liberdade situada
O que observamos na posição que pretende superar a antinomia determinismo liberdade
é que a discussão sobre liberdade não se faz no plano teórico, a partir
do conceito da liberdade abstrata. Ao contrário, trata-se da liberdade do homem situado, do
homem enquanto ser de relação.
Na linguagem da fenomenologia, traduzimos esses dois pólos como sendo a
facticidade (ou imanéncia) e a transcendência humanas. Pólos antitéticos (ou seja,
contraditórios, relativos à tese e a antítese), mas indissoluvelmente ligados.
A facticidade é a dimensão de "coisa" que todo homem tem, é o conjunto das suas
determinações. São os
"fatos" (donde facticidade) que estão aí, tais como
são e sem possibilidade de ser de outra forma. O fenomenólogo Luijpen diz: "Refletindo
sobre sua existência, o homem se encontra, com efeito, como 'já' imerso em
determinado corpo e 'já' envolvido em determinado mundo. Acha-se como holandês,judeu,
inteligente, aleijado, operário, emocional, doente, rico, gordo, ou outra coisa
qualquer. Tudo isto constitui o que elejá é. a saber, seu passado. Esse
'já' é também chamado a 'determinação' do homem".3
A transcendência é a ação pela qual o homem executa o movimento de se ultrapassar a
si mesmo. E a sua dimensão de liberdade.
A liberdade não é uma dádiva, algo que é dado, nem é um ponto de partida, mas é o
resultado de uma árdua tarefa, alguma coisa que o homem deve conquistar.
A liberdade não é a ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de
dominá-los e superá-los. O filósofo francês Gusdorf conta que "um grande
pintor, tendo feito em algumas sessões o retrato de um freguês, teve que ouvir deste a
objeção que o preço exigido era muito alto por algumas horas de trabalho.
"Algumas horas', respondeu o artista. "mas toda a minha vida"'4. Isso significa que a
aparente simplicidade do trabalho executado naquele curto espaço de tempo na
verdade era o resultado de muita disciplina e domínio das dificuldades enfrentados durante
longo período de aprendizado.
A juventude é a fase em que se torna mais forte a reivindicação de liberdade. Mas,
também, é o período em que se inicia o exercício desse poder. Por isso,
ainda segundo Gusdorf, "a liberdade adolescente é uma adolescência da liberdade, uma
liberdade de aspiração (...) A juventude é o tempo de aprendizado da
liberdade"5.
É importante rever o Capítulo 2 que trata do trabalho como forma por excelência do
agir livre humano, a fim de melhor compreender como a alienação no trabalho
é desumanizadora, por retirar do homem aquilo que o caracteriza fundamentalmente, ou
seja, a capacidade de transcendência.
DETERMINISMO OU LIBERDADE
4. Superação da dicotomia Determinismo ou liberdade?
Afinal. "o homem é livre ou é determinado?" A questão assim colocada gera um falso
problema.
Na verdade, o homem é determinado e é livre. É preciso considerar os dois
pólos contraditórios, superando o materialismo mecanicista, segundo o qual o homem
é determinado bem como a tese da liberdade incondicional. Segundo a concepção dialética,
embora
os pólos determinismo-liberdade se oponham, na verdade estão ligados:
" o homem é realmente determinado, pois se encontra situado em um tempo e espaço e
é herdeiro de uma certa cultura;
" mas o homem é também um ser consciente, capaz de conhecer esses determinismos;
tal conhecimento permitirá a ação transformadora que, a partir da consciência
das causas (e não à revelia delas), pode construir um projeto de ação.
Portanto, só a consciência do determinismo não é suficiente, pois a liberdade se torna
verdadeira quando acarreta um poder, um domínio do homem sobre a natureza
e sobre a sua própria natureza.
A consciência que o homem tem das causas se transforma, por sua vez, em outra
causa, capaz de alterar a ordem das coisas. Com isso, não se rompe o nexo causal,
mas introduz-se uma outra causa - a consciência do determinismo - que transforma o
homem em ser atuante, e não simples efeito passivo das causas que agem sobre ele.
Vejamos o exemplo da ação do vírus da tuberculose no corpo humano: pela ordem
natural da ação das causas, a morte é inevitável. Pelo menos era assim no século
passado, e a despeito da aura romântica que envolvia os jovens poetas tuberculosos, a
doença era implacável. Quando IKoch descobre o nexo causal da doença, pela
ação do bacilo, o conhecimento das causas possibilita a ação efetiva:
remédios, alimentação, clima, repouso etc.., e eis o fantasma da doença letal deixando de
assombrar as pessoas.
O filósofo personalista Mounier diz:
"Enquanto se desconheceram as leis da aerodinâmica, os homens sonhavam voar; quando o
seu sonho se inseriu num feixe de
necessidades,
voaram". Lembremos aqui o significado
do conceito de necessidade. Descobrir o feixe de necessidades é conhecer as leis da
aerodinâmica, ou seja, saber o que faz voar um corpo mais pesado do que o ar.
Não há mágica: há conhecimento dos determinismos. O sonho se concretiza no trabalho do
homem como ser consciente e prático.
Do ponto de vista psicológico, ocorre o mesmo processo. Suponhamos que alguém
tenha um temperamento agressivo. Se ele se reconhece assim, cuida para não
ser levado pelo impulso, para saber usar a agressividade conforme a ocasiao e
conveniencia. Aliás.
.5
uma das grandes contribuições de Freud é ter mostrado que o neurótico não é livre, pois se
acha dominado por forças inconscientes que mascaram suas ações.
A atitude obsessivo-compulsiva, como a de lavar as mãos seguidamente, por
considerálas sempre sujas ou cheias de micróbios, não representa o ato livre de
alguém preocupado com a higiene. Trata-se de um sintoma e portanto tem um significado
latente, oculto, que pode ser investigado. A interpretação é sempre relativa
a cada caso concreto, mas, para fins de exemplificação, vamos supor que o significado
fosse a culpa resultante de desejos sexuais reprimidos e considerados
"sujos"
pelo paciente. A cura da neurose estaria em trazer à consciência a causa escondida,
ajudando o paciente a lidar com o seu próprio desejo.
A liberdade situada
O que observamos na posição que pretende superar a antinomia determinismoliberdade
é que a discussão sobre liberdade não se faz no plano teórico, a partir
do conceito da liberdade abstrata. Ao contrário, trata-se da liberdade do homem situado, do
homem enquanto ser de relação.
Na linguagem da fenomenologia, traduzimos esses dois pólos como sendo a
facticidade (ou imanéncia) e a transcendência humanas. Pólos antitéticos (ou seja,
contraditórios, relativos à tese e a antítese), mas indissoluvelmente ligados.
A facticidade é a dimensão de "coisa" que todo homem tem, é o conjunto das suas
determinações. São os
"fatos" (donde facticidade) que estão aí, tais como
são e sem possibilidade de ser de outra forma. O fenomenólogo Luijpen diz: "Refletindo
sobre sua existência, o homem se encontra, com efeito, como 'já' imerso em
determinado corpo e 'já' envolvido em determinado mundo. Acha-se como holandês,judeu,
inteligente, aleijado, operário, emocional, doente, rico, gordo, ou outra coisa
qualquer. Tudo isto constitui o que elejá é. a saber, seu passado. Esse
'já' é também chamado a 'determinação' do homem".3
A transcendência é a ação pela qual o homem executa o movimento de se ultrapassar a
si mesmo. E a sua dimensão de liberdade.
A liberdade não é uma dádiva, algo que é dado, nem é um ponto de partida, mas é o
resultado de uma árdua tarefa, alguma coisa que o homem deve conquistar.
A liberdade não é a ausência de obstáculos, mas o desenvolvimento da capacidade de
dominá-los e superá-los. O filósofo francês Gusdorf conta que "um grande
pintor, tendo feito em algumas sessões o retrato de um freguês, teve que ouvir deste a
objeção que o preço exigido era muito alto por algumas horas de trabalho.
"Algumas horas', respondeu o artista. "mas toda a minha vida"'4. Isso significa que a
aparente simplicidade do trabalho executado naquele curto espaço de tempo na
verdade era o resultado de muita disciplina e domínio das dificuldades enfrentados durante
longo período de aprendizado.
A juventude é a fase em que se torna mais forte a reivindicação de liberdade. Mas
também é o período em que se inicia o exercício desse poder. Por isso,
ainda segundo Gusdorf, "a liberdade adolescente é uma adolescência da liberdade, uma
liberdade de aspiração (...) A juventude é o tempo de aprendizado da
liberdade"5.
É importante rever o Capítulo 2 que trata do trabalho como forma por excelência do
agir livre humano, a fim de melhor compreender como a alienação no trabalho
é desumanizadora, por retirar do homem aquilo que o caracteriza fundamentalmente, ou
seja, a capacidade de transcendência.
A liberdade e a angústia
Qual é a diferença entre o homem e as coisas? É que só o homem é livre. O homem
nada mais é do que o seu projeto. A palavra pro-jeto significa, etimologicamente,
"ser lançado adiante", assim como o sufixo ex da palavra existir significa
"fora". Ora, só o homem existe (ex-siste) porque o existir do homem é um
"para-si", ou
seja, sendo consciente, o homem é um "ser-para-si" pois a consciência é auto-reflexiva,
pensa sobre si mesma, é capaz de pôr-se
"fora" de si. Portanto, a consciência
do homem o distingue das coisas e dos animais, que são "em-si", ou seja, como não são
conscientes de si, também não são capazes de se colocar
"do lado de fora" para
se auto-examinarem.
O que acontece ao homem quando se percebe "para-si", aberto à possibilidade de
construir ele próprio a sua existência? Descobre que, não havendo essência
ou modelo para lhe orientar o caminho, seu futuro se encontra disponível e aberto, estando
portanto irremediavelmente
"condenado a ser livre". É o próprio Sartre
que cita a frase de Dostoiévski em Os irmãos Karamazov: "Se Deus não existe, então tudo é
permitido", para relembrar que os valores não são dados nem por Deus nem
pela tradição: só ao próprio homem cabe inventá-los.
Se o homem é livre, é conseqüentemente responsável por tudo aquilo que escolhe e
faz. A liberdade só possui significado na ação, na capacidade do homem de
operar modificações no real.
A má fé
O homem não é "em-si",ele é "para-si", que a rigor não é nada, pois se a consciência
não tem conteúdo, não é coisa alguma. Mas esse vazio é justamente a
liberdade fundamental do "para-si", que, movendo-se através das possibilidades, poderá
criar-lhe um conteúdo.
Eis que o homem, ao experimentar a liberdade, e ao sentir-se como um vazio, vive a
angústia da escolha. Muitas pessoas não suportam essa angústia, fogem
dela, aninhando-se na má fé. A má fé é a atitude característica do homem que finge
escolher, sem na verdade escolher. Imagina que seu destino está traçado, que os
valores são dados; aceitando as verdades exteriores, "mente" para si mesmo,
simulando ser ele próprio o autor dos seus próprios atos já que aceitou sem críticas os
valores dados. Não se trata propriamente de uma mentira, pois esta supõe os outros para
quem mentimos, enquanto a má fé se caracteriza pelo fato de o indivíduo dissimular
para si mesmo com o objetivo de evitar fazer uma escolha da qual possa se responsabilizar.
O homem que recusa a si mesmo aquilo que fundamentalmente o caracteriza como
homem, ou seja, a liberdade, torna-se "safado", sujo" (salaud), pois nesse processo recusa a
dimensão do
"para-si" e torna-se "em-si", semelhante às coisas. Perde
a transcendência e reduz-se à facticidade.
Sartre chama tal comportamento de espírito de seriedade. O homem sério é aquele que
recusa a liberdade para viver o conformismo e a
"respeitabilidade" da
ordem estabelecida e da tradição. Esse processo é exemplificado no conto A
Infância de um chefe.
A fim de ilustrar o comportamento de má fé, Sartre descreve o garçom cuja função
exige
que ele aja não como um "ser-para-si", mas como um "ser-para-outro"; comporta-se como
deve se comportar um garçom, desempenhando o papel de garçom, de tal forma
que ele se vê com os olhos dos outros. E assim que Sartre o descreve em O ser e o nada:
"Consideremos esse garçom de café. Tem um gesto vivo e apurado, preciso e
rápido; dirige-se aos consumidores num passo demasiado vivo, inclina-se
com demasiado zelo, sua voz e seus olhos experimentam um interesse demasiado cheio de
solicitude para o pedido do freguês (...) Ele representa, brinca. Mas representa
o quê? Não é preciso observá-lo muito tempo para perceber:
ele representa ser garçom de café".
Outro tipo de má fé é o da mulher que, estando com um homem, deixa-se
seduzir" por ele, dissimulando para si mesma, desde o início, o caráter sexual do
encontro.
A responsabilidade
Tais colocações a respeito do existencialismo poderiam fazer supor que se trata de um
pensamento que defende o individualismo, em que cada um estaria preocupado
com a própria liberdade e ação.
Contra esse mal-entendido, Sartre adverte: "Mas se verdadeiramente a existência
precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro
esforço do existencialismo
é o de pôr todo o homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade
da sua existência. E. quando dizemos que o homem é
responsável por si próprio, não queremos dizer que o homem é responsável pela sua restrita
individualidade, mas que é responsável por todos os homens. (...) Com
efeito, não há dos nossos atos um sequer que, ao criar o homem que desejamos ser, não crie
ao mesmo tempo uma imagem do homem como julgamos que deve ser. Escolher
ser isto ou aquilo é afirmar ao mesmo tempo o valor do que escolhemos, porque nunca
podemos escolher o mal, o que escolhemos é sempre o bem, e nada pode ser bom
para nós sem que o seja para todos. Se a existência, por outro lado, precede a essencia e se
quisermos existir, ao mesmo tempo que construímos a nossa imagem, esta
imagem é válida para todos e para toda a nossa época. Assim, a nossa responsabilidade é
muito maior do que poderíamos supor, porque ela envolve toda a
humanidade"2.
O absurdo
Sartre também discute a questão da morte. Diferentemente de
Heidegger, que concebe a morte como aquilo que confere significado à vida, Sartre acha
que ela
lhe retira qualquer sentido. A morte é a "nadificação" dos nossos projetos, ou seja, a certeza
de que um nada total nos espera. Por isso. Sartre conclui pelo absurdo
da morte e, simultaneamente. da vida, que é uma "paixão inútil": "Se nós temos de morrer,
a nossa vida não tem sentido. porque os seus problemas não recebem
qualquer solução e porque até a significação dos problemas permanece
indeterminada".
O conceito de náusea, usado no romance de mesmo nome, refere-se justamente ao
sentimento experimentado diante do real, quando se toma consciência de que
ele é desprovido de razão de ser, absurdo. Roquentin, a personagem principal do romance,
numa célebre passagem, ao olhar as raízes de um castanheiro, tem a impressão
de existir à maneira de uma coisa, de um objeto, de estar-aí, como as coisas sao. Tudo lhe
surge como pura contingência, gratuitamente, sem sentido.
ONDE ESTA A LIBERDADE?
Como se vê, Espinosa não nega a causalidade interna (o determinismo) antes a considera adequada para que o ser atinja sua essência. Mais que isso, não culpabiliza as paixões como forças perigosas a serem submetidas e controladas pela pretensa força superior da razão e da vontade, como até então sempre se aceitou na tradição do livre-arbitrio.
Entende, portanto, a liberdade como autodeterminação. O individuo é livre quando age de acordo com sua causalidade interna. Quando sucumbe a influencia externa, é coagido, determinado. A liberdade deriva do esforço de perseverar no seu ser, que terá como efeito a alegria. Ao contrário, as paixões tristes (medo, humildade, arrependimento, inveja) aumento nossa impotência e perpetuam nossa servidão.
Em que consiste a liberdade?
Art. 6: "A liberdade é o poder próprio do homem de fazer tudo aquilo que não conflite com os
direitos de outro'* ou, segundo a Declaração dos Direitos do Homem, de 1791; "A liberdade é o poder próprio
do homem de fazer tudo aquilo que não prejudique a ninguém".
A liberdade, por conseguinte, é o direito de fazer e empreender tudo aquilo que não prejudique os outros. O
limite dentro do qual todo homem pode mover-se inocuamente em direção a outro é determinado pela lei, assim
como as cercas marcam o limite ou a linha divisória entre duas terras. Trata-se da liberdade do homem como de uma monada isolada, dobrada sobre si mesma. (...)
Fonte:Maria Lucia de Arruda Aranha